Autora da fotografia (Bairro da Relvinha)
e do cartaz do colóquio
Vera Correia

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

Resumos


João Baía IELT-FCSH e IHC-FCSH

Novos tempos, muitas vontades: Adesão à auto-construção no âmbito do SAAL para pôr fim a 20 anos vividos em barracas de madeira

O programa SAAL, que teve pouco impacto na cidade de Coimbra, em comparação com cidades como Porto ou Setúbal, proporcionou aos moradores de um bairro em Coimbra - bairro da Relvinha – conquistarem o direito a uma habitação condigna, substituindo barracas de madeira, onde viviam há 20 anos, por casas, que foram construidas em auto-construção, com o apoio técnico do arquitecto Carlos Almeida e da sua Brigada Técnica, com a qual discutiram, em assembleias, qual o projecto que se adequava melhor às necessidades dos moradores. No processo de auto-construção contaram com o apoio de grupos culturais de relevo a nível nacional e local, de grupos de estudantes e de grupos de voluntários estrangeiros, de “amigos do bairro”, de algumas empresas de material de construção. Este período (1974-1976) é recordado pelos moradores como um tempo que é um tempo denso em que está presente uma grande esperança e uma aprendizagem mútua entre todos os grupos que se envolveram nesta operação SAAL.  Através de uma “etnografia em retrospectiva”, tal como Sónia Vespeira de Almeida levou a cabo no estudo das campanhas de Dinamização Cultural do MFA, pretendi formular algumas hipóteses para tentar perceber o porquê de um tão elevado grau de envolvimento e de participação dos moradores do bairro focalizado, a seguir ao 25 de Abril que o distinguia de todos os outros bairros da cidade de Coimbra. Algumas das pistas de análise só foram possíveis de obter devido à recolha de narrativas de vida que possibilitaram ter acesso à história do bairro através das memórias dos seus moradores. O facto da origem deste bairro resultar do realojamento provisório em barracas de madeira de vinte e oito famílias, em 1954, que durou até ao 25 de Abril de 1974, juntamente com a fome e a pobreza que marcaram os quotidianos dos moradores antes e depois do realojamento, obrigando-os a recorrer a múltiplas estratégias de sobrevivência (que tomaram formas de “resistência quotidiana”) e o facto de terem surgido formas de resistência de novo tipo no final da década de 60 foram factores que contribuiram para que este bairro pudesse atingir um nível de organização e participação mais intenso que os outros bairros.


Eduardo Ascensão  Departamento de Geografia do King's College London

The ‘postcolonial slum’ - shanty town dwelling as expression of postcolonial circumstances in Lisbon, Portugal

Debates over the urban form of the slum – or of the illegal, informal city – have animated different disciplines (Architecture, Geography, Anthropology, Planning) over the last decade. Drawing on calls for a cogent link between form (i.e dwellings and infrastructure) and its political economy (Gandy 2005), my research highlights informal settlement as a socio-technical process (Holston 1989, Rabinow 1989) but from the viewpoint of the poor populations which have built their housing environment. Using insights from STS to analyse the built environment (Jacobs 2006), it explores the intersections between life stories, house building in shanty towns and a specific postcolonial history in Lisbon, Portugal. It draws on the ethnographic ‘micro-history’ of one informal settlement, Quinta da Serra, using a house biography approach (Jenkins 2002, Blunt 2008) that allows us to move, at a very personalised and detailed level, through the social history of slums in Lisbon in the past 30 years.
In this presentation, I will focus on ‘histories of arrival’ of immigrants, on the materiality of building the shack, on inhabitation practices and on mental experiences of dwelling. First, I show how building and then upgrading the shack or the house in Quinta da Serra matched migration trajectories (family reunion, family growth) and overall resonates to both the conditions of inequality in access to urban space and the link to the country of origin. That is apparent not through the architectural signification (linked to stylistic genres, i.e. African) of dwellings, but rather becomes visible by the examination of how access to resources, use of techniques in building and informal technologies of inhabiting (water deposits, cesspits, illegal electricity tapping, etc.) have set the practices in and around the house. I then turn attention to some of these practices within a critical understanding of home (Blunt 2005), examining ideas of hybridity in everyday expressions of diaspora in urban space and mental experiences of dwelling relating, from a postcolonial present, to a colonial past.


Stefan Becker  Centre for the Study of Culture - Justus-Liebig-University of Giessen

“Informal turn”? – (Self)Reflected Research Perspectives as an essential Space Paradigm

Palavras-chave: informal turn, built space, ideology, fieldwork, research.

The perspective of “Culture as Text” was an idea in times of CLIFFORD GEERTZ and opened the debate about what to read, how to read and – very important – who is able or qualified to read. In my contribution, I want to focus on the perspectives and methods we are working with and on. When we are doing research on so-called »informal« urbanism and their inhabitants, we have to conceive the complicated and complex networks (LATOUR) or apparatus (FOUCAULT) of human and non-human actors as products and producers of social, cultural and built spaces. These spaces don't represent an ideology (HABERMAS) as we know from the planned urban spaces of the European City but does this imply there is no concept based on a particular ideology? Perhaps it is only very difficult to detect such a concept in an “informal” urban space because such a production of space is as far away from the formal and governmental system as it is from us, the investigators. We are all – in different but conceptual similar ways – generated and socialised within the academic and governmental-supported field (BOURDIEU) and are – by the way – assigned with the responsible mission of producing knowledge in terms of the apparatus of state (DELEUZE). This suggests that »informal« settlements also are informal and strange for us, thus outside of us and likewise not a part of the academic history of terms, methods and theories. But I guess most of us are desirous to integrate these places and spaces into the academic and Western culture and debates. How can we reach that goal or at least come a step closer? In my opinion there is a high potential for interdisciplinary fieldwork in heterogeneous research groups and a necessity of a (self)reflected research perspective for every relevant space that implies an intellectual endeavour for every project and participant. Based on reports of my own experiences in Rio de Janeiro, Luanda and Lisbon, I would like to open a debate about current challenges of doing research and fieldwork “off the beaten tracks”.


Paulo Peixoto CES-FEUC

Uma etnografia urbana da habitação improvisada

A construção informal insinua-se como um fenómeno datado na realidade portuguesa reportando-se a um longínquo “século passado”. Todavia, as políticas locais de habitação, conjugadas com fatores demográficos, com a manifestação de fluxos populacionais e com condicionantes económicas, revelam episódios de improvisação habitacional que ressalvam a persistência de fenómenos de construção e ocupação informal.
Os antigos centros urbanos, em função das suas dinâmicas de transformação, são territórios onde se pode observar essa improvisação habitacional. A partir de uma experiência etnográfica dá-se conta da persistência e da emergência de fenómenos que propagam dimensões da construção informal.


Tiago Figueiredo  Realizador, dinamizador do site Viver Lisboa

Alta de Lisboa - "o segredo que Lisboa guardou para o fim"

A Alta de Lisboa é 2º maior projecto urbanístico (300ha) feito em Portugal, a seguir à Expo 98 (330ha). A intervenção, desenhada nos anos 90, englobava a demolição de bairros precários (Musgueira, Quinta Grande, Pailepa) e realojamento das populações no mesmo local onde classes mais abastadas viriam a comprar apartamento. Sob o desígnio do Social Mix, pretendeu-se alterar trajectórias sociais das populações realojadas, fazer regeneração urbana da zona, dotar o novo bairro de todas as ofertas que uma cidade pode dar aos seus habitantes. Mas a 5 anos do fim previsto do projecto, o que podemos encontrar naquele território?


João Pedro Nunes DINÂMIA-CET

Programas sociais de habitação em Lisboa nos anos sessenta. Entre a política de habitação, o deficit de alojamentos e a cidade informal

A década de 1960 é para o estudo das políticas sociais de habitação uma época estratégica de pesquisa. Em Lisboa, verifica-se então um forte investimento nos programas sociais de habitação – de que Olivais Norte, Olivais Sul e Chelas, são exemplo – e simultaneamente a persistência de uma vasta e pulverizada cidade informal, intimamente relacionada com ocupação de interstícios (bairros de barracas) e como formas marginais de crescimento suburbano (clandestinos).
Através da noção de deficit de alojamento – uma construção estatística de natureza técnico-adminstrativa – analisa-se a tensão entre a política de habitação do final do Estado Novo, e os seus efeitos na construção social das populações destinatárias dos programas sociais, e a experiência residencial na cidade informal. No final, a partir desta configuração histórica – de certo modo extemporânea face à metrópole de Lisboa dos nossos dias – reflecte-se acerca dos modos contemporâneos de provisão de alojamento e dos seus efeitos sociais e urbanos.            


João Carlos Martins CESNOVA-FCSH

Bairro da Liberdade: Habitação e Urbanização à portuguesa

Palavras-chave: Habitação Informal, Concentração Residencial Periférica, Segregação Urbana.

O Bairro da Liberdade é um território localizado na periferia do concelho de Lisboa, situado numa das encostas do Vale de Alcântara, junto da Serra de Monsanto. A sua origem resulta da especialização residencial e urbana de um território com funções agrícolas no início do século XX, constituindo um dos primeiros territórios caracterizados como informal settlement em Lisboa, acompanhando o processo de industrialização e posterior fluxo migratório no início do século XX. Esta parcela da cidade reflecte de forma eficaz várias décadas de concentração de populações de baixos recursos em construções de génese informal, que progressivamente se alteram à medida dos investimentos dos proprietários. Ao mesmo tempo pontuam situações de extrema degradação, perigo de desmoronamento, deficiente saneamento básico e má qualidade habitacional.
Estes novos Lisboetas são elementos transformadores da lógica espacial urbana, alterando ilegalmente e clandestinamente a especialização funcional destes territórios, produzindo novas formas de urbanização e alargamento extensivo da cidade de Lisboa. Estes processos permitem avaliar a participação das populações directamente na produção do espaço urbano, através da habitação, sendo elementos fundamentais na criação de novas lógicas urbanas. Ao mesmo tempo permite avaliar a concentração residencial em contextos de rápida urbanização, os processos sociais associados ao alojamento, os fenómenos de segregação espacial através da posição periférica de determinados estratos sociais na cidade e o confronto com as concretizações públicas e privadas na área habitacional.


João Queirós IS-FLUP

Precariedade habitacional, acção do Estado e vida quotidiana no Centro Histórico do Porto nas vésperas do 25 de Abril de 1974

Palavras-chave: Precariedade habitacional; acção do Estado; vida quotidiana; classes populares; Porto.

Tomando em consideração o universo das políticas públicas com componente urbanística e habitacional postas em prática no Centro Histórico do Porto, verifica-se que só no final da década de 1960 se assistiu a um primeiro movimento dos poderes públicos no sentido da valorização de uma perspectiva “autóctone” sobre a realidade local e sobre as necessidades com que esta área da cidade se confrontava, designadamente no plano habitacional.
Antes dessa data, a intervenção “local” ficava a cargo – como ainda permanece, em boa medida – da Igreja e das instituições que lhe estavam associadas, oscilando a actuação do Estado entre a absoluta inacção, a resposta episódica a situações de “urgência” (resposta de tónica frequentemente autoritária) e a imposição, a partir de cima, de projectos urbanísticos e habitacionais de largo espectro, sem consideração pelos problemas efectivamente vividos pela população local, na sua maioria mal alojada, pobre e estigmatizada.
Dos impasses das décadas de 1930 e 1940 em torno da elaboração do plano de urbanização da cidade às propostas “haussmanianas” e, em grande medida, nunca concretizadas do Plano Director de Robert Auzelle, passando pelas iniciativas de salubrização e reformulação do espaço público e de alguns equipamentos levadas a cabo nos anos 1950, as medidas efectivamente implementadas até à década de 1970 no Centro Histórico do Porto propõem para esta área da cidade perspectivas de desenvolvimento e soluções de intervenção claramente insuficientes, em grande medida desfasadas da realidade e sempre heteronomamente constituídas.
Certamente também por este facto, no final da década de 1960, o cenário que o Arquitecto Fernando Távora e a sua Equipa encontrarão no Centro Histórico do Porto, designadamente no seu miolo, a Ribeira-Barredo, não diferirá muito do que podia ser encontrado quatro ou cinco décadas antes: degradação do edificado, insalubridade, sobrelotação, tuberculose, miséria. E desânimo, como nota o relatório de diagnóstico elaborado em 1969. Desânimo de uma população que se sentia esquecida e que se cansara de promessas não cumpridas, uma população que se apresentava, em grande medida, conformada face à sua condição e, portanto, sem expectativas de mudança.
Falamos de agentes sociais cuja experiência quotidiana era, na sua maioria, reiteradamente, a da subordinação social, uma subordinação social redobrada pelas marcas simbólicas da vivência num contexto residencial estigmatizado. A aprendizagem da diferenciação social e, muito em especial, do sentido dos limites, era, aqui, particularmente precoce e violenta e, para a maioria dos habitantes desta área da cidade, as estruturas de oportunidade disponíveis eram, de facto, muito limitadas. Prevalecia o trabalho operário desqualificado e, muitas vezes, a instabilidade na ligação com a actividade económica, ou mesmo a total informalidade. A pobreza era generalizada. As condições draconianas com que estes portuenses se confrontavam só eram toleráveis, em muitos casos, dados os mecanismos de entreajuda familiar e comunitária que, apesar de tudo, subsistiam.
O problema que mais marcava o quadro de vida destes portuenses, como de um grande número dos seus conterrâneos, era, entretanto, nesta altura, o da habitação. A insalubridade, a sobrelotação, a decrepitude quotidianamente sentida na pele, a exploração promovida pelas “subalugas” nos “quartos mobilados” em que a maioria das famílias da zona tinha de se acomodar constituíam os mais fortes elementos qualificativos da realidade local.
A partir de uma reconstituição da realidade do Centro Histórico do Porto nos anos que antecederam o 25 de Abril de 1974, esta comunicação procurará problematizar sociologicamente as relações entre precariedade habitacional, acção do Estado e estruturação da vida quotidiana neste contexto socioterritorial, numa perspectiva que permita lançar alguma luz sobre os fundamentos em que tem assentado a relação das instâncias estatais com as classes populares no Porto contemporâneo.


Idalina Machado IS-FLUP

Do processo de produção de habitação para populações carenciadas enquadrado num programa estatal (SAAL) à produção de habitação numa lógica de organização cooperativa – reflexos no espaço social: o caso do Conjunto Habitacional da Bouça.

O Conjunto Habitacional da Bouça foi construído em duas fases distintas no tempo: a 1ª fase de construção (1975/77) esteve enquadrada no programa de origem estatal - SAAL (Serviço de Apoio Ambulatório Local), que visava apoiar as iniciativas de transformação dos bairros levadas a cabo pelas populações carenciadas mal alojadas; a 2ª fase (2004-2006) visou a conclusão do bairro (das 128 habitações previstas na 1ª fase apenas se construíram 56) mas sob a forma de organização em cooperativa. As diferentes lógicas de produção habitacional neste contexto reflectem-se, necessariamente, no espaço social. Procuraremos nesta comunicação reflectir sobre esses reflexos, ou seja, sobre os processos de recomposição social concretizados neste contexto tentando articular essa análise com a questão do direito à cidade.  


Virgílio Borges Pereira IS-FLUP

Comentário final: uma perspectiva diacrónica e comparada sobre os efeitos sociais das políticas de habitação social na cidade contemporânea

Tomando por referência os resultados de uma investigação diacrónica e comparada sobre a implementação das políticas de habitação social na cidade do Porto ao longo da segunda metade do século XX, desenvolve-se o presente comentário aos trabalhos apresentados no colóquio à luz de uma análise que se centra, fundamentalmente, nos efeitos e injunções sociais contraditórias das políticas identificadas. No quadro de diferentes regimes políticos e de diversificadas soluções governativas, analisam-se, em sentido alargado, os custos urbanos e os impactos socioeconómicos das políticas públicas de habitação social desenvolvidas no país e na cidade do Porto, bem como, e em sentido restrito, os efeitos destas acções nos seus potenciais alvos, a saber, as famílias, os agentes sociais e as modalidades de constituição das suas trajectórias e vivências sociais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário